Hoje resolvi escrever um pouco sobre minhas primeiras impressoes sobre a Suecia. A postagem fugiu um pouco do que eu venho escrevendo ate agora, mas achei que valia a pena postar.
Fiquem calmos – esse blog nao se tornara uma discussao filosofica, nem politica, nem nada disso. Continuara com a funcao de enviar para vcs noticias da nossa vidinha por aqui. Entao podem considerar essa postagem como um surto psicotico.
Uns podem achar que ficou “cult demais”, outros podem achar critico demais, mas minha intencao e tao somente colocar no papel algumas consideracoes . Se vcs nao tiverem com saco, podem deixar de ler.
Uma das coisas que mais me impressionou desde que eu cheguei foi a ausencia total de burocracia. Administracao Publica aqui se resume ao Skatteverket e a 1 numero de identidade. Esse numero pessoal comeca com a data de seu nascimento e depois tem 4 digitos identificadores.
Ou seja, imaginem todos os funcionarios publicos responsaveis por emitir e controlar carteira de motorista, CPF, identidade, numero de certidao de nascimento, casamento, etc, etc. etc perdendo o emprego e quantos milhoes de reais seriam economizados.
Desde que eu cheguei nao me pediram, uma vez sequer, copia de absolutamente nada. Copia autenticada entao..... nem deve existir. Ja podemos demitir mais alguns funcionarios de cartorios de oficio e economizar mais alguns reais.
Na compra da casa, o responsavel por pagar os tributos e informar as autoridades da compra foi o banco. Isso mesmo – o banco. Eu estranhei e perguntei para a gerente como ela ia pagar os meus impostos. Ela disse: simples – eu tiro o dinheiro da sua conta.
Perfect! Nada mais razoavel porque dessa forma, ninguem sonega imposto. O banco sabe exatamente por quanto o imovel foi vendido e debita o valor dos impostos da sua conta. Se vc nao tem dinheiro para pagar os impostos, vc nao compra o imovel.
Ja podemos demitir mais alguns funcionarios publicos responsaveis por fiscalizar os impostos na venda de imoveis e outros que trabalham nos procedimentos administrativos de cobranca pelos impostos sonegados. Mais alguns reais publicos economizados....
Como todos sabem os impostos aqui sao super altos. Altos? Mais ou menos.
A renda sofre uma tributacao bem pesada – quem ganha mais paga mais tributos. Entao o salario liquido fica mais ou menos a mesma coisa.
Nao importa se voce eh engenheiro, advogado, professor, medico, musico, artista - estagiario ou diretor. A diferenca salarial aqui eh bem pequena. O irmao do Hannes por exemplo, nao sei o que ta fazendo agora, mas ele era pintor (de parede).
Continuando. Vc paga muito tributo, eh verdade, mas por outro lado, vc nao tem que pagar plano de saude, educacao (ate doutorado aqui eh de graca), seguranca, etc. Alem disso vc nao precisa de carro (vc pode querer ter um carro, mas precisar mesmo, nao precisa) porque os transportes publicos sao muito bons.
Mas por outro lado, a saude eh igual para todos. Isso quer dizer que o presidente da Ericsson e o refugiado do Iraque vao esperar na mesma fila pelo atendimento. Devo dizer que, pelo que me falaram, o atendimento de saude daqui nao se compara ao atendimento do Plano de saude no Brasil.
A consulta medica normal demora um pouco ate vc conseguir vaga. Nao conheco ninguem que tenha precisado da emergencia, entao nao posso falar. Check up – so depois dos 50 anos. Exames e consultas em geral – so se vc estiver sentindo alguma coisa. Preventivo – de 3 em 3 anos. Exame de gravidez – so depois de 2 meses. Os hipocondriacos iam sofrer por aqui!
Os que estam acostumados em “dar carteirada” , perguntar ”vc sabe com quem esta falando” ou achar algum conhecido dentro do lugar para tentar furar a fila, acho que nao seriam bem sucedidos. Aqui todos respeitam as normas e todos sao iguais. Iguais mesmo.
Confesso que eu defendia a igualdade entre as pessoas mas na pratica, estou estranhando muito esse tratamento. Queria mesmo o meu livrinho do plano de saude e marcar quantas consultas eu quisesse e fazer mil exames. Mas eh uma forma de aprender realmente o que significa respeito. Com o tempo eu me acostumo...
Mas nem tudo sao flores. Percebi que as vezes, pleno emprego gera uma acomodacao imensa das pessoas. Os suecos em geral sao muito presos as regras – nao conseguem adaptar nada sem que antes nao se tenha pelo menos 10 reunioes e alguns relatorios. O que eles nao entendem eh que a melhor decisao, se tomada no tempo errado, pode ser ineficaz.
Sem contar que a gerente do banco (que nao sabe fazer conta) demora mais de 1 semana para responder 1 e-mail, nao faz o menor esforco para prestar um bom servico para o cliente, nem quer saber se vamos fechar nossa conta para abrir em outro banco e so trabalha 2 vezes por semana (quando trabalha).
O fato de nao haver risco de demissao acho que fez com que os Suecos se tornassem, na minha modesta visao de brasileira, super acomodados com o emprego. As 5 pm todos saem do servico e vao para casa, no matter what. Nao se importam se aquele trabalho de alguma forma eh necessario para a empresa ou vi fazer falta para outra pessoa. Errar aqui eh normal. Demorar para responder eh normal. Esquecer de avisar que o curso de sueco comecou... eh normal.
Por outro lado, a ideia de respeito no emprego eh muito impressionante. Se vc tem que ficar com seu filho, o marido ta doente ou por algum motivo nao pode ir trabalhar, ninguem te olha de cara feia. Eh um direito seu ter uma vida pessoal saudavel.
Respeito ao dinheiro do povo ja existe ha muito por aqui e o exemplo de respeito comeca pelos que ocupam o poder – membros do Legislativo e Executivo – nao desviam o dinheiro dos impostos para satisfacoes pessoais. Alem disso, os suecos acompanham de perto as decisoes politicas.
Mas temos que dar um desconto para o Brasil: a Suecia existe desde a Idade da Pedra e como pais desde os Vikings - nunca passou por uma exploracao colonial, nunca teve ditadura, nunca teve elite. Alem de ser territorialmente pequena e pouco populosa.
No Brasil, ainda invertemos alguns valores e nao conseguimos ter a exata nocao de periculosidade – achamos que um pivete que furta um cordao na praia de Copacabana eh mais perigoso do que um politico que desvia milhoes dos cofres publicos, cria empresas e funcionarios fantasmas para embolsar dinheiro do povo e frauda licitacoes fazendo o povo pagar por servicos caros e as vezes nem prestados. Isso tudo como se fosse normal.
Mas vamos dar um desconto. Passamos nao so por algumas ditaduras mas tambem por muita corrupcao. Acho que meus pais devem ter votado o mesmo numero de vezes que a Gabi. So em 1988 que voltamos a saber o que eh democracia, participacao popular, controle do poder, etc. Quem sabe agora o politico nao pense em se eleger para ficar rico mas sim em representar o povo...
A saude no Brasil so se tornou um direito do cidadao em 1988. Antes disso, se vc nao pagasse o Inamps, ou ia ser atendido nas Casas de Misericordia ou morria.
Entao, peco mais um desconto para o Brasil. Em 20 anos ja temos atendimentos bons em hospitais publicos. Pode nao ser o melhor atendimento, mas esta melhorando. Confesso tambem que nunca precisei de hospital publico, mas lembro que a Vo Neide precisou do SUS para doenca renal cronica e teve todo o atendimento necessario – inclusive remedios. O servico de hemodialise era muito bem prestado e as enfermeiras e medicas muito competentes.
Hoje, temos algumas instituicoes que fiscalizam muito bem a aplicacao do dinheiro publico (a estrutura da Defensoria Publica no Brasil ganhou o premio da ONU e esta sendo utilizada como modelo para paises que estao implementando a democracia agora).
Entao, vamos dar um desconto para o Brasil. Acho que cabe aos mais velhos ensinar as coisas da forma correta e nao “no jeitinho brasileiro” e cabe aos mais novos ensinar aos mais velhos as nocoes de democracia e representacao. E assim, quem sabe daqui a alguns anos, chegaremos ao ponto de termos orgulho ao pagar imposto...
Sei que falta algum tempo para isso acontecer, mas como eu disse, vamos dar um desconto para o Brasil....
Beijos em todos
Carol